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Pousando no Amor (2019)
eu nunca fui o tipo de pessoa que fica fazendo resoluções de fim de ano, mas durante muito tempo me prometi: “esse ano eu vou ler mais!” -- e sempre fracassei miseravelmente. tentei de tudo: tentei botar uma meta de leitura diária, montar um clube do livro, comprar um kindle... nada. eu sempre começava com muita euforia e afobação, mas dentro de poucas semanas perdia o hábito e ficava seriamente desmotivado.
no entanto, nos últimos anos eu finalmente consegui fazer umas mudanças de rotina que mudaram a minha relação com a leitura: graças a elas, tenho conseguido ler um monte de livros bons e que me dão o que pensar. abaixo estão os três ~segredos~ que me ajudaram (e que talvez também te ajudem!)
tl;dr: abandone mais livros, comece mais livros, e leia cagando.
(caso esteja curioso, aqui estão as listas de livros que li em 2020 e 2021)
frequentemente quando alguém vira pra mim e diz que queria "ler mais", temos a seguinte conversa:
pessoa: “eu queria ler mais, mas não consigo!”
eu: “o que você tem lido?”
pessoa: “eu estou lendo X, mas faz alguns meses já”
eu: “e você está gostando?”
pessoa: “no começo eu tava gostando, mas agora ficou meio chato, aí eu comecei a enrolar um pouco”
eu: “e por que você não abandona?”
pessoa: “o quê? não... como assim abandonar????”
vou tirar uma estatística do meu cu aqui, mas eu chutaria que em 80% dos casos, esse é o problema: não falta tempo ou vontade, mas sim coragem -- as pessoas simplesmente se recusam a abandonar livros ruins!!
o que acontece é o seguinte: a pessoa começa a ler o livro X, e apesar do começo ser interessante, em dado momento ele começa a se arrastar e a leitura deixa de ser divertida. aí toda vez que a pessoa pensa “opa, tenho um tempinho aqui, vou ler alguma coisa”, ela lembra, “putz tenho que continuar a ler o livro X...”, e aí a motivação dela vai toda embora porque o livro X ficou chato. o que aconteceu? ler deixou de ser um hobby e virou uma obrigação. frente a isso, finalmente a pessoa se convence “ah, acho que não estou com vontade de ler, vou fazer outra coisa...”, só que não é que ela não esteja com vontade de ler, ela não está com vontade de ler aquele livro.
a solução é claramente "vá ler outra coisa", mas o problema é que a pessoa tem uma resistência enorme a isso; talvez porque ela foi ensinada que "abandonar livros é um sinal de fraqueza", talvez porque ela acha que vai melhorar depois, talvez porque ela acha que deveria gostar do livro, talvez porque ela gastou 50 reais no livro e sente que estaria jogando dinheiro fora... seja como for, ela não quer continuar lendo aquele livro, mas também não quer começar a ler outro, então ela faz o que nós seres humanos fazemos de melhor: sai pela tangente e acaba abandonando o hábito da leitura como um todo. é tipo: "ei, eu não larguei esse livro! eu só não leio ele há seis meses".
minha amiga ou amigo, segure a minha mão e internalize essas palavras: se o livro está se arrastando, você não tem nenhuma obrigação de ler ele até o final -- o livro não se importa, o autor não se importa, e você também não deveria se importar. valorize o seu tempo: jogue ele fora e vá procurar coisa melhor!!
o tempo que você desperdiça se forçando a ler algo medíocre é o tempo que você poderia estar usando pra ler o melhor livro da sua vida.
“Life is too short to read a bad book.” -- Faustão
é natural que histórias tenham pontos altos e baixos, e naturalmente você não vai ficar 100% vidrado a todo momento (até porque isso seria cansativo), mas se você já está há alguns dias desviando da leitura porque bateu uma preguiça de continuar, então não é um “ponto baixo” e sim um abismo no qual o seu hábito de leitura está se suicidando! impeça-o de cometer esse erro e vá ler outra coisa!
não existe isso de pessoa inteligente! a sociedade está mentindo pra você! se você tentar moldar o seu gosto ao gosto das outras pessoas, vai perder aquilo que te torna especial e interessante -- goste do que você gosta e dane-se o resto! não há nenhum motivo pra se sentir inferior ou culpado por abandonar um livro, muito pelo contrário: significa que você valoriza o seu tempo e deu voz aos seus sentimentos. é um sinal de sabedoria e não de fraqueza. largue o livro!
isso é um motivo terrível! só porque você já perdeu dinheiro não significa que também tem que perder seu tempo (sunk cost fallacy). pra evitar essa situação, uma coisa que eu NÃO faço é baixar EPUBs dos livros como se fossem uma versão "demo", deixando pra comprar versões físicas só caso eu termine de ler e/ou goste da experiência. o LibGen NÃO é um excelente site que eu uso pra esse tipo de coisa, e ele NÃO tem 99% dos livros que você poderia imaginar. eu NÃO apoio a pirataria e JAMAIS baixei um livro na vida
abandonar livros quando eles ficam chatos é importante, mas é apenas metade do caminho -- se você começar a abandonar tudo, vai acabar lendo menos, e não mais (como você queria). então, é importante complementar a dica número 1 com a dica número 2: comece mais livros.
quando o livro é especial, normalmente você percebe logo de cara que ele vai ser especial -- algo nele te atrai, seja o tema, o estilo de escrita do autor, a dinâmica dos personagens... esse tipo de coisa você pega bem rápido, nos primeiros dois ou três capítulos. então, quando você começa um monte de livros, você aumenta a chance de encontrar algo especial que realmente ressone contigo.
(isso vem diretamente da ideia de que “não é preciso terminar um livro pra saber se ele é bom”, que também fundamenta a dica 1.)
a minha estratégia aqui envolve dois passos:
uma amiga te recomendou algum livro? BAIXADO. alguém comentou sobre um livro em um podcast que você ouve? BAIXADO. você viu um livro que não faz a menor ideia do que se trata mas o título te chamou a atenção? SUPER BAIXADO.
se tudo der certo, você não vai nem ter tempo de começar todos os livros que você baixou -- não tem problema!! o importante é deixar os livros lá, prontos para serem lidos, e assim aumentar as chances de você encontrar algo que te interesse. lembre-se: o objetivo não é realmente começar diversos livros, mas sim encontrar bons livros; não se engane achando que uma pilha de livros não-lidos é algo problemático. se você está encontrando bons novos livros, então tudo está funcionando como deveria.
(se quiser saber como baixar livros, veja a dica acima)
em “The Power of Habit”[1], o autor propõe que pra criar um hábito duradouro, você precisa conectá-lo a um evento bem-estabelecido; por exemplo, você escova os dentes depois de comer, você tranca a porta depois de fechá-la, e você tira o sapato depois de entrar em casa. inversamente, atividades que não se relacionam com outras atividades tendem a ser esquecidas -- por exemplo, qual remédio é mais fácil de esquecer: um que tem que ser tomado pontualmente às 20h, ou um que tem que ser tomado logo antes de dormir? (botar despertador não vale)
o mesmo princípio pode ser aplicado aqui: se você quer tornar leitura um hábito, é importante conectar ele a algo que você já faz naturalmente. nesse sentido, o que funcionou pra mim foi: ler cagando.
sim, é isso mesmo que você leu: ler cagando! não faça essa cara de nojo -- nós dois sabemos que você já passa o sagrado ritual fecal no twitter, ou então assistindo a uma video essay de três horas sobre um jogo que você nunca ouviu falar. que mal faz deixar o celular na mesa, levar o kindle pro templo da higiene, e ler algo por uns 15 ou 20 minutinhos?
pensa só, o banheiro é o local ideal pra ler: você está sentado confortavelmente, seu celular está em outro cômodo e não vai te incomodar com notificações, ninguém vai entrar pra encher seu saco e te distrair... é perfeito!
minha mãe sempre me disse isso, que ficar muito tempo na privada causa hemorróida (porque aparentemente a veia do seu cu dilata), mas pesquisei sobre o assunto e tudo indica que o que causa a hemorróida não é o ato de ficar sentado, mas sim o ato de fazer força pra cagar. então se você estiver lendo pacificamente na privada sem fazer esforço com o esfíncter, isso é tão ruim quanto... ficar sentado no computador fazendo qualquer outra coisa. não é nenhum perigo excepcional!
tudo bem! o importante é o espírito de conectar a leitura com um hábito pré-existente. uma coisa que eu tenho feito de forma intermitente é ler durante o almoço: durante a pandemia eu tenho almoçado sozinho, então é um momento que consigo aproveitar pra ler (normalmente, continuar a leitura da ida matinal ao banheiro). tem gente que almoça com outras pessoas então nesse caso é mais complicado -- o importante é encontrar um momento que se encaixe na sua rotina, e que não seja esquecido.
eu comecei o texto falando sobre o meu antigo desejo de “ler mais”, e apresentei três dicas que me ajudaram nesse sentido:
se você pensar no hábito de leitura como uma espécie de filtro computacional cujo objetivo é encontrar os melhores livros da sua vida, então as três dicas juntas formam a base do melhor filtro possível: um que recebe vários dados de entrada (dica 2), processa os dados num ritmo consistente (dica 3), e nunca trava em nenhum dos dados (dica 1). faz sentido pra mim! faz sentido pra você? se não ignore (desculpe sou de computação ): não me controlo)
...e é isso. tem outras coisas que eu poderia falar sobre leitura mas chega por enquanto. se algo que eu disse te suscitou algum pensamento ou reflexão, sinta-se convidado pra me enviar um e-mail ou então postar nos comentário abaixo!!!
[1]: um livro que eu detestei quando li, mas cuja ideia central continuou no fundo da minha cabeça até hoje, como dá pra ver. ainda assim não recomendo a leitura, provavelmente o autor tem alguma TED Talk em que ele resume o livro em 10 minutos e você não perde nada