21 de janeiro de 2020

SPOILERS COMPLETOS DE FEZ. SE VOCÊ NÃO JOGOU E PRETENDE JOGAR, NÃO CONTINUE A LER.


pensamentos sobre Fez

up on melancholy hill...

background

eu joguei Fez em 2012, pouco depois dele sair, e foi uma experiência muito marcante. eu gostei bastante do jogo, e me recordo claramente de ter começado a chorar subitamente em algum momento, quando a trilha sonora do Disasterpeace atingiu alguma nota e particularmente impactou meu coração. é um dos poucos jogos que me fez sentir um maravilhamento profundo. tenho boas memórias de preencher cadernos durante a madrugada, freneticamente tentando desvendar os segredos do jogo.

Fez ficou na minha memória, e em 2019 eu tentei rejogar, pra ver se o jogo "ainda era bom". pra minha surpresa, eu ainda achei uma experiência razoavelmente positiva. eu lembrava boa parte das soluções dos puzzles, mas ainda assim deu pra aproveitar bem.

ou seja, eu gosto bastante de Fez. recentemente, tentei analisar mais a fundo como o jogo faz o que ele faz, isto é, como ele causa uma sensação de maravilhamento, e me peguei então destrinchando seus puzzles e separando eles de acordo com algumas categorias. segue.

o que é Fez

pra mim, Fez são dois jogos bem diferentes entre si:

  1. o primeiro Fez é um jogo de plataforma com uma mecânica simples e bonita de se olhar: a de rotacionar um mundo 2D no eixo tridimensional. é basicamente o que todo mundo sabe sobre o jogo.

    nesse jogo, o objetivo é andar pelos mapas e coletar 32 cubos amarelos. o jogo não é nem um pouco desafiador e vai ficando meio chato conforme o tempo passa. o visual e a trilha sonora são bonitos e tentam fazer seu esforço valer a pena, já que os mapas são agradáveis de passear - mas isso não muda o fato de que durante a maior parte do tempo, você está realizando uma tarefa meio banal: gira a tela, vê onde você pode pular, gira a tela de novo... eu não diria que o primeiro Fez é um jogo particularmente interessante.

  2. o segundo Fez é um jogo de mistério. você tem de explorar as ruínas de uma civilização antiga e solucionar puzzles confusos para os quais você não recebe nenhuma instrução. isso envolve fazer anotações e quebrar códigos, além de procurar pistas no ambiente que te digam o que fazer.

    nesse jogo, o objetivo é coletar 32 cubos azuis, os chamados anti-cubos. esse é o jogo pelo qual eu me apaixonei, e que me senti compelido a re-jogar.

    curiosamente, esse segundo jogo não é mencionado em nenhum material promocional do jogo, e sua existência em si mesmo é tida como um "segredo". nas palavras de alguém do Giant Bomb: "asdf"

os dois jogos ocorrem em paralelo, de modo que não é "o primeiro e depois o segundo". nesse sentido, o primeiro jogo acaba parecendo um filler pro downtime do segundo. eles se complementam, eu sinto. o primeiro jogo é fácil, mas o segundo é tão difícil que uma recompensa gratuita é muito bem-vinda.

tendo isso em vista, vim a me perguntar: qual é a estrutura dos puzzles de Fez? ou seja, se eu quisesse copiar Fez, como eu faria isso?

a estrutura do jogo

surpreendentemente, a estrutura do jogo é bem simples.

apesar de eu ter dito que esse segundo jogo é "difícil" e que envolve fazer anotações e quebrar códigos, uma análise mais aprofundada acaba revelando duas verdades:

  1. a grande maioria dos puzzles não depende dos códigos;

  2. existem poucos tipos de puzzles diferentes: o jogo repete muitos deles.

isso revela uma contradição. nas minhas memórias, Fez é uma experiência de anotar coisas e desvendar mistérios e quebrar códigos. na prática, ele é bastante formulaico e boa parte dos puzzles é bem simples: ele só esconde isso muito bem.

isso não é uma falha na minha memória: eu re-joguei o jogo e ele ainda pareceu assim. a verdade é que Fez sabe se apresentar muito bem.

análise individual dos puzzles

eu copiei todos os anti-cubos do detonado da GamesRadar e separei eles de acordo com os desafios que eles oferecem ao jogador. sem mais delongas:

  1. sequência de botões (18/32): em Fez, o jogador controla 5 botões (esquerda, direita, pulo, rotação pra esquerda, rotação pra direita). em algumas salas do jogo, apertar os botões numa sequência específica faz um anti-cubo aparecer. surpreendentemente, mais da metade dos anti-cubos é conseguida dessa forma.

    • codificação simples (2/32): alguma pista revela qual sequência deve ser apertada.

      • (1) Achievement/Trophy Anti-Cube: sequência de rotações no nome de um achievement.
      • (2) Village Monocle Painting Room Anti-Cube: sequência de rotações escondida num quadro.
    • tetrominos (10/32): uma das formas nas quais o jogo esconde essas sequências de teclas é através dos tetrominos (também conhecidos como "peças de tetris"). sequências de tetrominos estão escondidas na arte de diversas salas do jogo, e depois que você desvenda a relação entre os tetrominos e as teclas (uma sala do jogo em específico é fundamental nessa descoberta), o desafio fica trivial.

      • (4) City Classroom Anti-Cube: sequência de tetrominos no quadro negro.
      • (8) Telescope Anti-Cube: sequência de tetrominos nas constelações do céu.
      • (11) Throne Rooms Anti-Cube: sequência de tetrominos na parede da sala do trono, em sua versão do passado e do futuro. basta executar uma seguida da outra.
      • (12) Tetromino Rosetta Stone Anti-Cube: sequência de tetrominos no obelisco.
      • (17) Infinite Waterfall Anti-Cube: sequência de tetrominos nas plataformas da sala.
      • (3) Village Pipe Room Anti-Cube: 8 papéis espalhados nas paredes, cada um com um tetromino e um número. depois de solucionar o código numérico, basta apertar as teclas correspondentes na ordem crescente dos números.
      • obeliscos (4/32): há objetos estranhos espalhados pelo jogo que não fazem nada, que são chamados de "obeliscos". no new game+, você obtém a habildiade de entrar em um modo "primeira pessoa", que te permite por exemplo ver o chão do jogo. no chão de cada obelisco há desenhado uma sequência de tetrominos.

        • (19) Lighthouse Dock Obelisk Anti-Cube;
        • (20) Temple Obelisk Anti-Cube;
        • (21) Second Temple Obelisk Anti-Cube;
        • (22) Forest Hut Obelisk Anti-Cube.
    • tuning forks (4/32): algumas salas do jogo contém "tuning forks", e nestas salas a trilha sonora está ausente. no áudio do jogo é possível observar que um som se alterna na caixa de som direita e na esquerda. fazer rotações seguindo essa sequência garante 4 anti-cubos ao longo do jogo. as 4 salas são idênticas, apenas a sequência que muda.

      • (10) Green Sewer Tuning Fork Anti-Cube;
      • (15) Behind the Waterfall Tuning Fork Anti-Cube;
      • (18) Below the Lighthouse Dock Anti-Cube;
      • (24) Virtua-Boy Sewers Tuning Fork Anti-Cube.
    • código numérico (2/32): o jogo tem um código numérico que é necessário pra pegar 2 dos 32 anti-cubos. desvendar o código requer um esforço razoável.

      • (3) Village Pipe Room Anti-Cube: mistura código numérico com sequências de tetrominos (acima). estou repetindo esse porque precisa de 2 conhecimentos distintos.
      • (30) Bell Tower Anti-Cube: um sino tem 4 lados, e em cada lado há um número. basta tocar cada lado do sino X vezes, sendo X o número escrito naquele lado.
  2. desafios de platforming (6/32): apesar do jogo estimular a distinção de "cubos amarelos são pra platforming e anti-cubos são para puzzles", 6 dos 32 anti-cubos são dados como recompensas em baús: ou seja, basta o jogador chegar em um lugar. dessa forma, eu considero que eles não são "desafios de intelecto", mas sim requerem apenas que o jogador explore o bastante.

    • (16) Behind the Waterfall Red Platforms Anti-Cube: atrás da cachoeira tem uma sequência de platforming em que as plataformas desaparecem ritmicamente. chegue no final e encontre um baú com um anti-cubo.
    • (23) Virtua-Boy Sewers Anti-Cube: uma porta nos esgotos te leva a essa sessão de platforming em que a lava sobe e você tem que fugir dela. no final tem um baú.
    • (25) Seizure Room Anti-Cube: uma porta embaixo do sino leva a uma sala com glitches em que os tiles vão mudando conforme você anda. no topo tem um baú.
    • mapas (3/32): esses são razoavelmente diferentes, no sentido de que você tem que pular em plataformas invisíveis pra chegar no baú. como descobrir onde estão as plataformas invisíveis? basta olhar em um dos mapas que você obtém ao longo do jogo (em desafios de platforming "normais"). o desafio é saber qual mapa é de qual sala, e ver que algumas plataformas aparecem no mapa e não no jogo: elas estão lá, mas são invisíveis.

      • (6) Treasure Chest Anti-Cube
      • (14) Spinning Ladders Cylinder Anti-Cube
      • (31) Floating Island Treasure Chest Anti-Cube
  3. torre do relógio (4/32): os anti-cubos mais bullshit possíveis. tem uma torre no jogo com um relógio que está sincronizado com o relógio do seu sistema. toda vez que uma das 4 mãos do relógio (dia, hora, minuto, segundo) atinge o 12, você ganha um anti-cubo. ponha o teu sistema no dia 12, às 12:12:12 e você ganhará os 4.

    • (26) torre do relógio Red Hand Anti-Cube
    • (27) torre do relógio Blue Hand Anti-Cube
    • (28) torre do relógio Green Hand Anti-Cube
    • (29) torre do relógio Grey Hand Anti-Cube
  4. outros (5/32): puzzles diferentes de todo o resto.

    • (5) Large Skull Anti-Cube: rotacione a tela do jogo até que todas as lápides estejam alinhadas. fácil.
    • (7) Line Blocks Puzzle Anti-Cube: ponha os cubos de forma que eles formem uma linha do ponto A ao ponto B. fácil.
    • (9) 6 Block Tetromino Puzzle Anti-Cube: numa sala, o jogo te dá 6 cubos e uma pedra gigantesca com 10 conjuntos de cubos diferentes. depois de analisar mais cuidadosamente você percebe que todos os conjuntos apresentados são planificações de um cubo. procure no Google e você confirmará seu palpite. mas o Google te diz que são 11 planificações, e não 10, então provavelmente você tem que rearranjar os 6 cubos de modo a desenhar a planificação restante. bingo: um anti-cubo. acho que esse é um dos puzzles mais difíceis do jogo.
    • (32) Four Tetromino Blocks Anti-Cube: numa sala, o jogo te dá alguns cubos e 4 tetrominos. você tem que desenhar os cubos com os tetrominos. é meio trabalhoso e chato.
    • (13) Owl Statue Anti-Cube: numa sala no início do jogo, há 4 quadros, cada um mostra uma coruja empoleirada numa árvore, num momento do dia diferente (o jogo tem ciclo dia/noite). encontre as 4 árvores representadas nas pinturas no momento do dia correspondente e fale com as 4 corujas. depois, vá na estátua da coruja gigante no cemitério, e você ganhará um anti-cubo. é meio difícil, mas pra mim foi um desafio gostoso: eu gosto de puzzles de procurar o local onde fotos foram tiradas (Breath of the Wild é o exemplo mais recente).

em resumo:

  1. sequência de botões (18/32)
    • codificação simples (2/32)
    • tetrominos (10/32)
    • obeliscos (4/32)
    • tuning forks (4/32)
    • código numérico (2/32)
  2. desafios de platforming (6/32)
    • mapas (3/32)
  3. torre do relógio (4/32)
  4. outros (5/32)

separando em "fórmulas":

  1. particularmente formulaicos (15/32):
    • obeliscos (4/32)
    • tuning forks (4/32)
    • mapas (3/32)
    • torre do relógio (4/32)
  2. fórmula pouco estabelecida (10/32):
    • codificação simples (2/32)
    • código numérico (2/32)
    • tetrominos (6/32): tirando os obeliscos.
  3. sem fórmula (5/32):
    • outros (5/32)
  4. platforming (3/32):
    • desafios de platforming (3/32): tirando os mapas.

o que isso significa? vamos analisar nível a nível.

15 dos anti-cubos são "particularmente formulaicos". por exemplo: quando você entende como soluciona um "tuning fork", solucionar os outros é trivial, não há nenhum aumento de dificuldade. o mesmo para obeliscos, mapas e pra torre do relógio. cada um deles, apesar de repetido, contém apenas um "momento de revelação", eu diria. ou seja: 15 dos 32 anti-cubos do jogo, quase metade, está distribuído ao longo de 4 "insights". eles poderiam ser facilmente 4 anti-cubos ao invés de 15.

8 dos anti-cubos tem "fórmula pouco estabelecida". eles estão divididos em três grupos: o grupo 1 requer que a jogadora saiba que teclas estão codificadas, o grupo 2 requer que a jogadora saiba o código numérico, e o grupo 3 requer que ela saiba o código dos tetrominos. porém, diferentemente dos "particularmente formulaicos", depois que a jogadora conhece esses códigos, cada um dos desafios ainda possui um momento de "insight" diferente. exemplos: o da sala do trono requer que a jogadora junte os códigos de duas salas diferentes. o do sino requer que ela entenda o significado de uma face do sino ter o número "10". o da cachoeira infinita requer que atenção seja dada às plataformas da sala. a dificuldade varia, mas pelo menos cada um deles é um puzzle fechado em si mesmo. eu diria que são "variações num mesmo tema", e no caso são 3 temas.

7 dos anti-cubos são "sem fórmula". eles são completamente diferentes entre si e envolvem desde puzzles lógicos/espaciais (planificações, representação de tetrominos) até desafios de exploração (encontre o local onde esta foto foi tirada).

3 dos anti-cubos são de "platforming". como estamos interessados nos puzzles de Fez, vou ignorar esse último grupo.

tá, e daí?

e daí que, olhando individualmente, dá pra ver que são só puzzles normais.

15 dos anti-cubos poderiam ser simplesmente 4. os 8 de fórmula pouco estabelecida são variações nos mesmos temas, e não são tão difíceis depois que você quebra os códigos correspondentes. 5 deles são desafios misturados.

os puzzles do jogo não são particularmente excepcionais, salvo um ou outro. "encontre a sequência de teclas nesta sala" (mais da metade dos anti-cubos) é tão simples quanto "encontre a estrela nesta tela", que é a premissa de por exemplo Hoshi Saga.

eu consigo imaginar perfeitamente um jogo pra celular com os mesmos puzzles de Fez, mas organizados numa estrutura de "fases" - assim como Monument Valley, por exemplo. seria funcional, mas perderia boa parte do charme.

porque o verdadeiro triunfo de Fez está na apresentação dos puzzles, e isso não fica claro fazendo uma análise individual de cada um deles.

a apresentação dos puzzles

eu disse que eu chorei quando joguei Fez pela primeira vez. um jogo com puzzles pouco excepcionais não faria isso.

o segredo de Fez está em como ele provoca o sentimento de mistério no jogador.

como mistério e não-entendimento são dois conceitos muito parecidos, podemos nos focar em observar as formas através das quais o jogador é deixado "no escuro", desconfortável em sua ignorância:

  1. a distribuição dos puzzles: Fez é um jogo de puzzle (pelo menos parte dele), e alguns puzzles são facilitados por conhecimento que você ainda não tem (como por exemplo, o código numérico ou o código dos tetrominos). isso significa que você pode ficar batendo cabeça em um puzzle que você em tese ainda não está "preparado" pra resolver. na minha experiência, não demora muito pra jogadora perceber isso, e passar a considerar isso na hora de lidar com um puzzle. mas ela nunca tem certeza se está preparada ou não.

    essa incerteza gera um sentimento muito diferente da dinâmica de "backtracking" que é bastante popular em Metroidvanias. nesse tipo de jogo, o jogador encontra uma parede muito alta e pensa: "mais pra frente eu devo desbloquear um pulo duplo, ou algo do tipo". ele faz uma anotação mental (talvez fisicamente num bloco de notas!) de onde estava a barreira, e tira ela da cabeça. em contrapartida, a incerteza inerente aos puzzles de Fez ("o que diabos será que eu tenho de fazer aqui?"), apesar de também gerar certo "backtracking", acaba gerando mais confusão e desconforto do que qualquer coisa.

    pra algumas pessoas, isso pode ser desmotivador. pra mim (e aparentemente pra muitas outras pessoas que gostaram dos mistérios do jogo), é uma dose extra de mistério que me deixa ainda mais interessado.

  2. o trabalho manual: boa parte dos puzzles do jogo requer que você conheça algum dos códigos. eles são 3: o código dos tetrominos (qual tecla corresponde a qual tetromino), o código numérico (que símbolo corresponde a qual número), e o alfabeto (que letra corresponde a que símbolo).

    mesmo quando você desvenda um código, resolver os puzzles correspondentes requer que você pegue um caderno e anote coisas. ao meu ver, essa tarefa manual em que o jogo transborda pra vida real acaba "induzindo" o jogador a perceber o que ele está fazendo como mais importante ou misterioso. faz os anti-cubos parecerem recompensas mais merecidas.

    quando você fecha um jogo e ele continua ao seu redor, é tentador não continuar tentando entendê-lo. e Fez, como estamos vendo até agora, tem muitas coisas difíceis de entender.

    (sobre os puzzles parecerem mais interessantes: eu acho que isso é grande parte do atrativo do jogo também. Keith Burgun fala sobre isso em Clockwork Game Design (2015), quando trata de "labor" (trabalho): "But the other reason is that labor plays an interesting trick on us. [...] It’s just enough to occupy most adult’s brains to keep them from remembering that they have no decisions to make."[^1])

  3. a trilha sonora: eu sempre achei muito difícil ignorar a música. a trilha sonora, mesmo quando tenta ser alegre, acaba passando uma sensação forte de que tem algo muito errado. os instrumentos sintéticos me dão ansiedade, me deixam inquieto. é curioso como isso reflete a minha própria descrição de Fez: um jogo dividido em dois. parte platforming simples, como os jogos retrô que ele tanto homenageia... e parte mistério, exploração, desproporcionalmente secretiva. na música inicial já dá pra ver isso (Home).

    Disasterpeace tem uma análise de cada faixa da OST, em seu site. particularmente interessante pros nossos objetivos é a citação: "I think the decision to write a lot of melancholy music came from Gomez' isolation. He is all alone, traveling through a huge abandoned world."

    acho que essa é a parada: a trilha sonora faz um trabalho muito bom de reforçar o sentimento de mistério. de estar sozinho num lugar estranho, com segredos que não foram feitos para serem revelados.

  4. os ambientes estranhos: algumas estruturas do jogo são familiares, e não causam nenhum estranhamento. um sino, ok. uma torre com um relógio, ok. um moinho, ok. mas então começam a aparecer algumas coisas que você não sabe exatamente o que são, ou pra que servem. uma montanha no formato de uma baleia. um cemitério com estátuas gigantes de crânios que seguem seu olhar. as ruínas de um povo antigo. um mar de líquido vermelho (sangue?). uma fábrica (que produz o quê?). meu ponto é: muitos dos ambientes não são claramente rotuláveis, e/ou a relevância deles pro jogador não é bem estabelecida. isso, somado com a música, ajuda a manter o jogador desconfortável. como você pode estar confortável num lugar que você não entende o que é?

  5. os símbolos alienígenas: diversas áreas do jogo são situadas em ruínas de civilizações alienígenas. por isso, o ambiente está repleto de simbolos que claramente significam algo, mas que são desconhecidos para a jogadora. talvez o exemplo mais extremo sejam os próprios alienígenas em si, que falam em um alfabeto estranho e enigmático. tudo parece mais críptico quando está escrito em caracteres que você desconhece, mesmo quando são frases idiotas como "I LIKE YOUR HAT!".

  6. as corujas: ao longo do jogo, o jogador encontra 4 corujas. elas fazem parte de um puzzle, mas talvez o jogador não saiba disso. o que importa é que elas apenas aparecem em um determinado horário (o único elemento do jogo que faz isso, portanto de cara já é uma quebra de expectativa, uma surpresa), e ao interagir com o jogador, elas enunciam frases crípticas, como por exemplo "https://i.stack.imgur.com/vlOyh.png". o fato de que diversas ruínas apresentam desenhos de corujas, e que no cemitério do jogo há uma estátua gigantesca de uma coruja definitivamente são fatores que as tornam entidades desconfortáveis de se ter por perto. elas são suas amigas? inimigas? porque elas não falam direito? aff...

  7. a história confusa: o que está acontecendo na lore do jogo? não dá pra entender muita coisa sem se esforçar bastante, e ter diversos "insights". pro jogador comum, o mais provável é que ele zere o jogo sem entender 10% do que está acontecendo. isso é amplificado pleo fato de que o jogo se encerra com uma sequência particularmente enigmática que envolve um portal, uma estátua de coruja, uma pirâmide no espaço e muitos fractais.

    nesse momento, não tem como o jogador ignorar: "eu zerei o jogo, e não estou entendendo absolutamente nada". ao meu ver, isso aumenta o sentimento de mistério.

em resumo: Fez provoca mistério no jogador através dos seguintes métodos:

  1. incerteza nos puzzles: os puzzles não tem uma ordem bem-estabelecida ("qual vem antes de qual?"), não tem temas bem sinalizados ("qual o conhecimento que eu tenho de usar aqui?") e são bloqueados por conhecimento (e não por equipamentos. conhecimento são coisas como sequências de teclas, código dos tetrominos, código numérico). essa falta de clareza enaltece a sensação de não-entendimento do jogador, e o deixa inseguro sobre seu próprio conhecimento.

  2. trilha sonora: feita pra causar uma mistura de maravilhamento e desconforto no jogador.

  3. elementos estranhos: símbolos desconhecidos, frases enigmáticas, ambientes difíceis de serem entendidos.

  4. história confusa: requer que o jogador faça esforço real pra entendê-la (que nada tem a ver com os puzzles "mecânicos" do jogo).

acho que dá pra manter esses 4 pontos em consideração na hora de tenta copiar Fez.

críticas ao jogo

mas tem coisas que eu não copiaria em Fez, porque eu acho ruins. a maior delas é: o jogo não tem nada a dizer.

Fez está mais comprometido com "ser um videogame" do que com "ser um mundo em que as coisas fazem sentido". os puzzles não são nem um pouco diegéticos, e deixam diversas perguntas sem respostas: por que tem baús espalhados pelo mundo? por que os tuning forks? quem criou os obeliscos? quem espalhou os cubos/anti-cubos? no fim das contas, a única resposta possível pra isso tudo é: "porque videogames".

talvez o exemplo mais extremo disso seja o uso dos tetrominos: é atribuído a um videogame antigo (tetris) um status semi-religioso, conforme seus símbolos são extraídos e mitificados. além disso, os tetrominos significam botões do controle, o que não faz nenhum sentido para os personagens do jogo, e sim apenas para o jogador enquanto possuidor de um controle. outros exemplos são referências à série Zelda ("Hey, listen!") e uma área inteira do jogo ter a paleta do gameboy.

isso tudo pra dizer: o universo de Fez só faz sentido enquanto um videogame, e ele sabe disso. por isso que a narrativa no final se resume a "é tudo uma simulação". a admissão não torna tudo menos ruim. é derivativo, é masturbatório. e no fim das contas Fez é mais uma homenagem a videogames do que uma obra que queira dizer algo por si mesma.

Outer Wilds me deu expectativas mais altas pra videogames. Fez podia ser melhor.

(mas é bom.)


notas

[^1]: "Clockwork Game Design" (2015), Keith Burgun, pg. 137


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